sábado, 11 de fevereiro de 2012

Tu

Roubaste um trago de meu fumo
E disse que a vida sobrevivia num instante
E que a nossa passava distante daquelas

Posou então o corpo no vento
À debruçar no parapeito do tempo
Fez-se por interromper as horas
Por vários instantes inertes
De abraços que viviam com uma força concreta de existência

Na beira da saia que rodaste em noites inteiras
Bebemos de vinhos raros
De afinadas colheitas e tin-tins que soavam em nossas bocas
Boca sedenta de lábios fortes
Que pede
Que agora
Cala por não mais poder dizer
Apenas grunhir como felinos que se amam

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Alternativa


Os muros que cercam os quintais daqui
São de grandes alturas
Num lado de lá
Aprisiona porcos
D’outro canto de cá
Liberta homens, de olhos firmes
E pés que passam por terras líquidas
De fácil evaporação

Libertos no caminhar que seguem
O pai, o avô, o irmão
Tateiam com sabedoria plena o chão que os guiam
Nas alternâncias que há no viver
É válido algo encontrar para ser
Como o mais belo brilho do cantar
Manso entardecer
Forte fruto doce
Que enche agora meu peito de exatidão
Que rir, sorrir
No mais alto gargalhar das gargantas sedentas de liberdade





segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

A morte da gaivota

Posto então numa solidão
Digna daquelas gaivotas cegas pela salina do mar
À espera do aviso da morte
Por não mais poder caçar

Refogadas nas horas do tempo
Dos últimos tempos
O peito suando forte
O vento passando firme
Em poucos minutos do contar

Bambeia-lhe os gravetos do sustento óssio
São olhos que pesam muito
Sobe agora pequena alma
Neste não mais planar de asas
De um pássaro morto pelas águas do mar

domingo, 25 de dezembro de 2011

Desabafo

Rasga-te peito num desaforo da alma
Grito seco
Perpétuo mudo soco no muro
Batalhando versos com a pena
De afiado corte e sem pudor
Fere 
Sangra
À escorrer pelas lágrimas febris
E à pulsar forte nas entranhas
Jorra pelas veias do coração
Poesia que rasga a pele
E transcende na escrita
Balbuciando verdade
Que antes, somente no miúdo dos pensamentos existia
Canta-te alma
Que passa longe
Gozando forte
No ejacular louco de versos virís 


quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Meu corpo, minh'alma

Acordei com um ar puro a soprar no peito
Então foi logo tratando de voar a alma minha
Saiu apressadamente pela janela
Com cabelos despenteados
Carregando nos braços fortes
Meu corpo em frangalhos

Carrega alma minha
Esta matéria que tu se encarregaste de cuidar
Simbiose perfeita
Meu corpo, minh'alma

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Minutos poéticos

Então eis eu aqui
Peito nu, debruçado ao parapeito
Olhando crianças lá em baixo a brincar
Que correm
Que gritam
Que crianceiam por lá

Vi também com olhos de saudade
Uma moça bonita
Que tinha nela um jeito de andar
Que também não é o jeito de cá

Agora pouso o cigarro por dentre lábios meu
Observo um último instante o mundo fora lá
E fecho a janela do pensar
Não, não é passatempo, menino
É poesia que canta
Encanta ao falar

domingo, 16 de outubro de 2011

Faro

E chegaste o corpo no escuro
Não contente por ausência tua
Posou então a debruçar sobre o manto
Assim,
Minhas narinas catavam frenéticamente
Algum resquício de um breve cheiro teu
Cafungava eu
Com cafungos caninos
E por surpresa esperada
O que encontrei por conclusão
Foram dois perfumes
O Teu e o Seu


segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Seco

Mesmo que eu cave um buraco bem fundo
Querendo encontrar a sede da sua boca
O que só acho eu
É um poço sem mundo, sem fundo
Seco

Não desisto então
Tornas minhas mãos à cavar
à procurar
Dentro da sua pele
Algo que ainda pode ser dito:
Nosso

Dose poética

A poesia tem sua dose certa
Se muita for a emoção
Torna-se tão bela
Que chega alcançar a incompreensão

Em outra parte
Se muita carecer de inspiração
Nao toca
Não vive
Só morre

Intensa quando és
Brilha
Ofusca
Encanta

E morna quando estás
Não arrepia 
E nem se faz pensar

sexta-feira, 29 de julho de 2011

A lágrima rasga minha face dura
Brota ela quente do coração
Pulsa e repulsa por dentro
Até que se afoga em olhos apaixonados

Sinto eu aqui
Parado
Perplexo
Bobo
A sensação no ato do choro

quinta-feira, 28 de julho de 2011

De cara com o medo

Então o meu rosto claro-belo
Agora era pálido, magro, esquelético
De frente com o medo
Meu corpo tremia
Tremia
Estremecia por inteiro
Era feio
Era sujo
Era medo
Medo
Medo...

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Partes Dele

Parte dele é medo de criança
Que busca a borda em meio ao afogo
Que busca colo
Que busca mãe
Mão
Que busca choro

Outro lado é só desejo
Nada de puro
Tudo de farto
Sempre no escuro
Mil sussurros árduos

Num pouco
Leve
Num outro atencioso
Louco 
Bobo
Escroto
Rato dentro do esgoto

domingo, 10 de julho de 2011

Putas gordas

Os meus sonhos negros
São passeados de putas brancas-negras-gordas em transas
O suor proveniente de movimentos pendulares
Escorre pingos a pingos
Com um fervor de fogueira de São João
Suas pernas em minhas mãos
Em nossas mãos
Em nosso roçar

Aquelas costas largas
E gorduras em exposição
Muitas mulheres macias
Vinham, vinham
Vem, vem
Assim como chegaram 
Vão partir em vão

Quando que finalmente de mim sair
Sair, sair, assim...
A força do prazer
Que em meu corpo se achava,
Inteiramente abrigado, pelo desejo

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Tempo, tempo, tempo, tempo...

Venho por meio de pequenos versos
Lhe contar dos desejos que palpitam em meu peito
Vontade de lhe mostrar as novas canções da América

Também move em mim
Uma saudade de deitar-me em seu ventre
E esquentar minha mão em seus seios sinceros
Ah,
Num sufoco te espero
Para mais uma vez
Você despencar em meu corpo nu

sábado, 25 de junho de 2011

Poeta e Poesia

O velho surdo-morto livro pousa sobre as pernas

A suja mão negra toca o lápis

A pena que faz a letra

É mais uma poesia que nasce


A dor que o inspira

A alegria que lhe encanta

E desencanta

Desencantado com a vida

É apenas poesia

Somente poesia


Agora vaivém devagarzinho

O grito em surdina

Surdo, magro, belo

Grito da poesia


Fala baixinho

Direitinho

Até não mais se ouvir

A suja, pobre, alta

Beleza do Poeta

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Vento no tempo

Hoje ela esteve a voar um pouco com o vento
Ele estava forte
Entrava no corpo em arrepio
E fazia voar-lhe os cabelos

Então se deixou fechar as pálpebras
E quando abriu
Era Eu o vento
E Ela o tempo

Nu

Ainda quero um dia
Ver a minh'alma despida de conceitos
Arrancar com forças e unhas
As sedas que vestem o meu corpo
E colocar-me em nu público

Daí então
Irei correr pelado dentre o mato da mata
E depois de bastante suor e fervor
Aprofundar a matéria
Em um lago sem fundo
Deixarei com que o vento tateie minuciosamente o meu corpo inteiro
Com a pele no livre
Vou afrouxar minhas pernas
Deixando-me deitar e rolar ao meio de tanto encanto

Roçarei meu peito fundo
Num mundo de gramas brilhantes verdes
Desconstruindo Homem
Para construir Pueta
Mortalizando fera
Para construir um Homem
Livre.
Como de origem é

E por fim,
Deixar com que meu espírito voe
Voe, voe, voe, voe...
A Deus dará





Álibe ao réu


Se cada um tem o que merece,
O praticante do ato
Garante álibe
Das consequências de seu feito

Pois ajudou para a construção do futuro
Garantindo à aquele
A devida pena lhe enviada
A dor da cruz
O gosto amargo do giló
O câncer enraizado

Porque
A partir do presente
Desenhamos todo o passado

O outro


Ele queria ser o cheiro da outra metade que deita em seu lençol
E no meio da noite
Pousar as coxas
Por cima das tuas coxas
Te apertar o quadril
Para confirmar
Que o teu corpo é dele
E não daquele

Enfervecer a alma com o calor de sua pele
Afogar a cara farta em seu corpo negro
E Beijar-te inteira
Mergulhando bem fundo em sua carne
Até que falte o ar

Então só assim
Irá olhar-te ainda deitada na cama
Acender um cigarro
E bater com força a porta

Libertar-se


Não posso mais me prender nesse estado louco
Sufocado pela tonteante nicotina
Que sobe ao cérebro
E embrulha-me num manto
Prendendo minhas pernas
Amordaçando a boca
E impede-me de agir

Digo aqui
Por entre esses versos
Que o coração agora dói
E não é a dor do cotidiano
E sim uma dor que embrasa os nervos
Se eu pudesse
Se autonomia me dessem
Juro que arrancaria do peito
Você

Um sopro de vida


A vida sem gosto
Toca a boca
Como um beijo de bala sem açúcar
Um olhar
De olhos fundos e caídos
Um corpo morto
Que por insistência das pernas
Continua a dar seus passos descompassados

O que antes era verde
E explodia num incêndio de cores de alegria
No presente
Até o feio cinza
Carece em sua vida
Mas um dia
Esse artista vai renascer
Na data do encontro com sua poesia

Percepções sentimentais


Às vezes
A vida é um pequeno rastro de alegria
Passa o tempo
E de alegria
Nada tinha
Outr'ora
Somente angústia
És quando alegria de corpo presente está

Quando numa noite
Estrelas soltavam serpentinas
Brincávamos eternos carnavais
O sol brilhava
E logo mais
Tudo iria ser nada
Feio,
fosco,
fúnebre

Outr'ora
Era tudo seco,
frio,
sujo
Mas com o passar das horas
Explodia uma pólvora de vida no coração

E entre essas alegrias
E angústias
Chora por meio de versos
O pueta feliz

Busca


Tentei o rádio das antenas anticomputadores
Busquei o silêncio perfeito
Mas o imperfeito silencioso persistia em persistir

O grave estourado
Bumbava gritando
Como se estivessem arrancando
À sangue frio
Sua sensível pele

Então tentei o choro
Mas o choro incomodava
Explodia por dentro
E fazia doer a cabeça

Alegria já era perfeita de mais
Assim como
Aquele estourado dos graves
Que não devia existir
mas já que existiam
Tinham nota dez em perfeccionismo

Desci ao Inferno Dantesco
E lá na terceira ala do sétimo círculo
Resgatei meu doido
meu seco
Improvável
E inquieto
Apetite de poesia

Profecia


Desconfio que a cegueira não é negra
E sim branca
Tão branca
Que pode ser sentida com cheiros
Ouvida à longe

Passos sem desequilíbrio
A cegueira é atenta
É rápida
Veloz
E também lenta

Sinto nos próximos ventos do verão
Um determinante plano das suas asas
Vindo em minha direção
E fazendo do eu
Uma coisa pouca e pobre
Rica e nobre

Vergonha no ato de chorar


Quando a lágrima toca a pele
As mãos tocam o rosto
Junto com este ato, demonstra
Que você nada mais é
Do que um simples mortal

A vergonha do choro
É a expressão da mais alta fraqueza
Passando pelo olho
Águas jorram
Abrindo rios no seu corpo

Mas o ato do choro
Não deveria haver expressão de fraco
Pois fraqueza mesmo
É não conseguir se entregar à vergonha de chorar

Enquanto o bloco passa

O bloco foi passando olhos à frente
E o que pude fazer
Foi apenas olhá-lo com olhos fundos e doentios
Sangrando por íntimo
Preso dentro de mim
Não Eu em si
Um eulírico
Mais lírico do que eu

Em estado seco e perpétuo por infinito
Contido estive por horas
Até que minhas lágrimas
Expulsaram com berros mudos
Tudo o que antes se encontrava morto-vivo

Enfim
Foi assim
Que percebi
Que a folia acontecia
Enquanto o meu eulírico morria
Sentindo naquele momento
Um desejo enorme de também pular carnaval

Poesivro

Um livro quando é corajoso
Abre suas páginas amareladas
Para que critiquem o seu ser
É prosa
É verso
Concreto

Onde cada frase nasce
É também a mesma rota de sua morte
Desordem
Palavra mil vezes dita pelo guri
Assim
Meio manhoso, tinhoso
Poesia clara, rasgada
Cuspida, escarrada no seu rosto

Verso safado
Carioca, é claro!
Versos que geram versos
Construindo poesia
Que por sua vez
Tem a coragem de um amor bandido

Nossos poemas


Ainda no táxi
Meus olhos molhados
Por uma saudade que ainda iria dar
Foram,
Num gesto de espontaneidade,
Rabiscando as paredes da rodoviária

Um peito que dói
A angústia que corrói
Um grande amor que fica
O ônibus que parte
Deixando na marca do asfalto
Léguas e léguas de nossos poemas

Versos vazios


O vazio
Antes de ser vazio
É sentimento
Que desampara num infinito abismo
Criando forma
E acaba por se concretizar
Deixando de ser vazio

Agora ele é Vazio
Com nome próprio
Pele
Osso, rosto
Até escroto

Assim estruturado
Com formas
Face
E corpo
Toma-me como refém
Num sinistro estado íntimo
Que acaba por produzir no final
Versos vazios
Porém
Cheios de verdades

Ode ao tempo


O tempo
Como um velho sábio
Constrói caminhos
Descarrila trens e trilhos
Para erguer novos sentidos

O tempo
Com força juvenil, viril
Acaba por passar
Em um segundo piscar dos olhos

Um tempo
Que só deixa passado
Pois passa a cada instante
Ignorando futuro

Que saudade de um tempo
Em que tempo
Servia para esculpir
E não para ser cumprido
Para ser vivido
E nunca
Jamais
Esquecido em um mar de tempo nenhum

No ato da poesia


O sangue pulsa

Repulsa

Pedinte de um ato lógico

Num embaraçoso jogo

Jogo do corpo

Do corpo toda outra

Outra parte

Que a cada verso

se desfaz ou faz

O homem

Ou Deus

Tanto faz

Um grito Sartreático

"A existência precede a essência"

Essência que agora

Escreve esses versos

Apunhalados de vontade

Certeza

Sangue

E verdade

Pipa da minha linha


A pipa que vai com o vento
Em milhares de céus azuis
De mão em mão
De linha em linha
Aterriçadas
E subidas
Chegadas, partidas

São giros
Rodopio rabiolático
Num aplumado balaio
Leve, livre
Sozinha
A saudade de um dia ter sido minha

Pipa
Que agora
Deixa minha linha
E com um leve estanque
Parti
Como se parti um corpo a sangue frio
A dor do ato
Mas a alegria do assassinato.

Futura saudade


Vou sentir
A sua partida
Os pecados são seus
A vontade também

Pra mim
Resta saudade
Nenhum vintém
Do curto amor
Que aqui viveu
Me debruçou
Beliscou
Enrolou
Que aqui sentiu

Fique com meus beijos
E deixe pra mim a dor
A noite que insiste em não amanhecer
Lhe deixo meia parte de mim
Trazendo também um pouco de ti

Criança artista


Com olhos de criança
Quero olhar a vida
Por dentre as lentes do seu fotografar

Quero que a ilusão do foco
Turve a realidade real
E que o diafragma
Brinque com o movimento
Do seu balançar

Se for
Não for
No que há
Se não há
Mas se for
Vai ser
Apenas o desejo de uma criança artista

Exílio


Menina Maria
Mando-lhe notícias deste frio
Descrevendo meu amor
Minha dor
E minha poesia

Vou dizendo em versos pobres
Muitos acontecimentos nobres
O vinho aqui
Nem se quer vai à geladeira
As mãos são cobertas por um corte de cetim
A pele esquenta
E o amor pelo Rio aumenta

Vou aqui terminando
Pois com as delongas
Meu peito aperta mais
Um abraço pro velho Carlos
Pro poeta do cais
E para aquele amor bandido que veio de Minas Gerais

E agora
Chego ao fim com saudades
Um tanto de dor
E acompanhado de um ponto final

Depoimento de um suicida


Eu fui apertando a espada em meu peito
E ela com sua face afiada
Foi me rasgando os tecidos
Foi sangrando a pele
Foi indo

Era uma forte-fina dor
Dor das dores de Dolores
Doendo, doído
Doentio
A certeza na cara do autoassassino

O coração não mais bate
Pulmões não mais respiram ar
Os olhos vão fechando-se devagar

A espada crava
A mão solta
O corpo cai
E a morte chega

Na fazenda


Canta o brilho do pássaro jovem
Brilha luz da manhã sol
Cega radiante brilho de Deusas mulatas
Que esconde o meu interior no seu interior

O homem que cuida
Do irracional bicho
A grama verde que amacia
Que seca
Que fuma
Que alucina

São tardes feito meio-dia
És noite como manhã
Beijo da natureza
E brinde da poesia

Nós


São dois corpos nus sobre a cama
São dois corpos nus sob a lua
São corpos entrelaçados
Num só corpo, uma só face

E quando o sol brotava à noite
Sentia nossas palmas claras frias
Acenando para o dia
Numa só energia

E agora o sol pôs-se ao meio-dia
E nossas caras febris
Estão coladas
Como cola de madeira

E a tarde insiste em se esconder
Como a lua
Que uma hora
Vai desaparecer

Some lua
Some sol
Some meio-dia
Só fica nossos corpos
Entrelaçados sobre a cama

No varal

No quintal de minha casa
Existe um varal
No qual está estendida a minha vida
No qual está o cheiro de minha pele
Onde está o sufoco odor do meu membro

Onde se desfaz
  O cheiro de cigarro da noite passada
Onde caem as gotas de suor sagrado
Do nu-cru-corpo

  O varal que carrega os espermas
Do amor que ontem aconteceu
Que se deixa estender-se sobre seu fino corpo
Um manto sagrado de minh'alma
Este é o varal
Varal do meu quintal

E assim se vai a vida


Alguns gargalham
Outros apenas abrem sorrisos amarelados
Uns beijam
Outras preferem não arriscar
Outros bebem
Enquanto tem aqueles que criticam

Tem gente que se droga
Assim como tem gente que se comporta
E gente que nem se importa
Gente descrente
Gente que sente
E gente que se sente

Alguns se suicidam
Outros nem nascem
Existe aqueles que sofrem
E os que não ligam para a dor
Alguns mentem demais
Outros são sacanas

Uns se recusam a ver
Outros não podem nem enxergar
Alguns se prostituem
Mas eu
Só quero viver

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Havia uma gota de sangue sobre o carrilhão


Viva a morte das horas
O número de origem horística
Morreu levando o passado e o futuro
Deixando somente o presente
Que também deixa de existir
Quando se é tocado
Falado, explícito

Engraçado
O que acabei de ver e pronunciar
Já não mais existe
Já foi com o sopro do tempo
Como assopra-se a nuvem
Que desce
E cai
Como se cai as horas
Que agora
Não mais existem

Sujo


Sinto o bafo abafado
Amargo do desejo
Que expõe
O seu corpo em nu artístico
Não como vulgar
Mas como amor

Sente a minha pele
Na sua pele
Carne viva
Do meu íntimo membro
No seu buraco quente
Que esquenta-me
Durante a noite fria

Dor do acaso


Sentimento que bate em minh’alma
Sem ser, nem por que
Que vem com o vento
No desalento dos minutos
Para de dor
Encher-me o peito

Uma dor
Que chega sem bater
Na hora imprópria
E põe a alegria desnuda
Nua e crua
Em praça pública
Para envergonhar-lhe as ventas

A dor que agora sinto
É sem endereço
Sem hora
Sem drama
Sem trama

Somente é...
A dor do acaso

Desafio ao Aurélio

Diga-me, senhor!
Da onde vem o vento
Pra que serve o beijo
E a carícia que tateia
A luz que clareia
Clareando minh’alma
Que acaba por adormecer
No ventre da mulata

Quero sentido
Idiomas diversos
E concreticidade
Praticidade na fala
E verbetes na cabeça

Se é capaz
Fale
Ao invés de arrediar-se

A dor que atinge a espinha dorsal
Pra que foi feita?
Aquele cheiro de infância
Por que ainda existe?

E o brilho dos meus olhos vermelhos
Por que bem faz?
Diga-me
Mas só diga se for capaz

Signo da noite


Sente a dor da minha noite
Que me joga contra o frio
Arrepia os pêlos
E com medo me deixa

Sente a dor da minha noite
Que se completa
Com a ausência
Da outra metade

Sente a dor da minha alma
Que pela inveja
Mato o outro
Para poder existir

Lambe minhas lágrimas escuras
O salgado amargo deguste
Minhas mãos que cortam
Que jorram
Gotas de solidão noturna

Mãe do detento


Caminho com passos cinzas
O longo corredor escuro
Seguro a cabeça com a mão
Para que ela não caia de vergonha

A bela alegria que era transparente
Hoje
Tornou-se tristeza permanente
A voz que pulava boca à fora
Agora chama-se mudez

O sorriso que fazia sorrir
Não mais pode aparecer
Só sabe se esconder
Em meio do meu rosto murcho

Digo aqui
Que não mais enxergo
Não falo
Nem exibo mais meu belo cantar

Pois a verdade mesmo
É que só sei chorar
Por uma dor
Que do meu peito não quer se ausentar

Velha casa


Aquelas paredes
Que me ocultaram do frio
Protegeram-me do dia
Ainda guardam o som do meu batuque
O cheiro de minha pele
E a voz dos meus versos

Aquela velha parede
Que eu me apoiava
Quando as doses eram altas
Quando a luz era madrugada
Quando aos prantos chegava

Naqueles cantinhos empoeirados
Ainda há o pó do meu calçado
Na sala vazia
Havia a sombra do meu corpo
Transitando
Com cigarrilha à boca
Fumaça à noite
E pensamento no papel

Mas hoje
Naquele lar
Naquela velha
Velha casa
O que se faz presente
É o corpo escultural da ausência